Segunda-feira, 16 de abril de 2012
Tudo vira terapia
Um dos problemas mais pontuais da criança autista é não saber brincar sozinha. Na verdade, na maioria dos casos, elas não sabem é brincar. Por isso rodam objetos e se apegam a coisas que tenham movimentos repetitivos. Falta imaginação, vocabulário e tato social. Criança aprende brincando. Se ela não sabe brincar, não aprende. E vira um círculo vicioso…
Praia, parquinho, passeio na pracinha, play, piscina, shopping, supermercado, festinha, meia horinha na varanda com tinta e massinha ou mesmo uma simples ida na pizzaria. Tudo vira terapia quando você tem um filho especial, e que tem o estímulo motor e cognitivo como base do tratamento.
Desde que digerimos o diagnóstico de autismo do Luca, hoje com 3 anos, eu e o meu marido colocamos na cabeça que todo e qualquer programa familiar, por mais simples e bobo que seja, tem de ter um propósito, uma razão, um objetivo! O exercício é adaptar as pequenas coisas da nossa rotina a atividades que agreguem conhecimento ao Luca. E, à reboque, ao Thiago, de 5 anos, que com isso acaba se beneficiando também!
Por exemplo, ir à pizzaria vira treino de como se comportar em lugares caóticos, de muita gente junta e falando alto. Esperar a sua vez para sentar e ficar relativamente quieto à mesa; uma ida ao play pode ser 'turbinada' com brinquedos que você queira que ele compartilhe com outras crianças ou que, no mínimo, chame outros garotos para brincar com ele. Interação social e treino de imaginação.
Praia é terapia sensorial (areia), assim como pracinha (grama). No supermercado, peço para ele me listar as cores dos produtos e para pegar um, dois ou três macarrões, para ele repetir os números…
Festinhas infantis são ótimas: quatro horas de coordenação motora (nos brinquedos), interação social e sensorial (muita gente junta, barulho e música alta costumavam incomodar o Luca muito mais antes do que agora), além da possibilidade de ver outras crianças comendo e bebendo e se ver no outro, imitar o outro. A capacidade de imitação é uma das coisas mais importantes no desenvolvimento do bebê e a gente costuma dar pouca importância a isso.
Em uma das palestras que eu fui, um neurologista falou em neurônios-espelho (aqueles que fazem a gente bocejar quando alguém boceja). Em autistas que morreram de morte natural conseguiram provar que esses neurônios fazem poucas sinapses, são mais curtos que o normal. Com dois meses de idade, o bebe imita o sorriso da mãe, põe a língua para fora quando o pai põe.. aí de repente ele percebe que não precisa esperar o pai ou a mãe fazerem aquilo para fazer também. Ele pode fazer por conta própria! E começa a fazer a não para mais.. É nesse ponto que o desenvolvimento deslancha… Hoje, uma das coisas que queremos que o Lula faça é nos imitar, imitar os amiguinhos, repetir o que eles falam, bocas e gestos…
Tudo isso, claro, são dicas para mamães com filhos neurotípicos também. E acaba sendo muito importante para eles… o Thiago adora e se desenvolve… É que nós, mães especiais, começamos a pensar assim automaticamente.
No último fim de semana fomos ao cinema, mesmo sabendo que o Luca dificilmente fica sentado na cadeira. Dessa vez, ele ficou oito minutos, seu novo recorde. Enquanto durou a pipoca, na verdade. Depois, ele dispersou e foi andar na escada lateral, sob minha supervisão, claro. Quando uma cena o interessava muito, ele parava por um minuto e prestava atenção. Para nós, mães especiais, esses minutos, segundos de atenção valem ouro e precisam ser comemorados. Dois minutos de atenção para quem não tinha atenção nenhuma há menos de um ano é uma vitória!
Há duas semanas fui a um seminário na Barra da Tijuca e uma das palestrantes foi enfática: se você quer que sua criança autista aprenda a se comportar em público, na rua, no shopping, na escola, onde for, tem de tirá-la de casa. Não tem outro jeito de ensiná-la.. E é verdade.
De uns tempos para cá eu evitava levar o Luca para supermercados. Era um caos. Ele era mais hiperativo do que é agora (tem melhorado muito com tratamento biomédico, sem remédios) e saia em disparada no meio dos corredores e gôndolas. O Thiago ia atrás, era um terror. Uma vez, vendo meu desespero, o gerente do Extra veio, cordialmente, me perguntar se eu não queria ir para a fila preferencial, embora não estivesse grávida nem estivesse com criança de colo… Ele temia que o Luca derrubasse uma pilha de ervilhas que algum funcionário seu provavelmente ficara meia hora fazendo com todo empenho. E ainda abriu um caixa que estava fechado só para ficar livre de mim..rs Não tem problema! Semana que vem estarei lá de novo com eles. E o gerente, se quiser, que continue abrindo caixas especiais para mim!
Postado por Flávia Pellegrini
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Marcadores: inclusão, mães especiais
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