Rituais são                                                                    hábitos                                                                    cuja utilidade                                                                    desconhecemos;                                                                    hábitos                                                                    são rituais                                                                    cuja utilidade                                                                    pensamos conhecer.                                                                    Dessa maneira,                                                                    quando falamos                                                                    de rituais autistas,                                                                    falamos, na                                                                    minha concepção,                                                                    de hábitos                                                                    cuja função                                                                    não conhecemos.                                                                    Batizamo-los                                                                    de rituais e                                                                    decidimos que                                                                    são não                                                                    funcionais.
                                                                                                                                                                                                                      Desde                                                                    a década                                                                    de 1950, quando                                                                    o autismo começou                                                                    a ser estudado                                                                    cientificamente,                                                                    que essa verdade                                                                    é verdade.                                                                    E já                                                                    se passaram                                                                    seis longas                                                                    décadas,                                                                    onde nos especializamos                                                                    a extinguir                                                                    rituais: se                                                                    não têm                                                                    função                                                                    alguma, então                                                                    não devem                                                                    existir. Gente                                                                    séria                                                                    demais, com                                                                    a melhor das                                                                    intenções,                                                                    ganhou notoriedade                                                                    como caça-rituais:                                                                    em pouco tempo,                                                                    conseguia extingui-los,                                                                    livrar a criança                                                                    desse “mal”.                                                                    Só não                                                                    conseguia melhorar                                                                    a situação,                                                                    a qualidade                                                                    de vida dessa                                                                    criança.
                                                                                                                                                                                                                      Preciso                                                                    da sua atenção                                                                    para uma mudança                                                                    importante de                                                                    paradigma. Vou                                                                    frisar, para                                                                    maior impacto:                                                                    rituais                                                                    autistas são                                                                    não só                                                                    altamente funcionais,                                                                    como necessários                                                                    ao desenvolvimento                                                                    do sujeito.                                                                    Tenho provas                                                                    vivas dentro                                                                    do projeto,                                                                    e posso argumentar                                                                    com você                                                                    sobre essa afirmativa.
                                                                                                                                                 Pense                                                                    numa criança                                                                    autista. Você                                                                    é uma                                                                    professora.                                                                    Ela está                                                                    sentada à                                                                    sua frente e,                                                                    de repente,                                                                    começa                                                                    a balançar                                                                    as mãos,                                                                    como dizendo                                                                    um duplo adeus,                                                                    abanando incessantemente.                                                                    Você lembra                                                                    o que lhe disse                                                                    a psicóloga,                                                                    a mãe,                                                                    a coordenadora:                                                                    rituais autistas                                                                    não têm                                                                    função,                                                                    você deve                                                                    tratar de ocupar                                                                    as mãos                                                                    dela com outras                                                                    atividades,                                                                    colocar alguma                                                                    coisa na mão                                                                    dela, chamar                                                                    a sua atenção.                                                                    Você faz                                                                    isso, ou tenta.                                                                    A criança                                                                    fica nervosa,                                                                    agitada, quer                                                                    balançar                                                                    as mãos...
                                                                                                                                                                                                                      No mínimo,                                                                    esse seu ato                                                                    recomendado                                                                    chamou a atenção                                                                    das outras crianças                                                                    para o fato.                                                                    No máximo,                                                                    você evitou                                                                    um treinamento                                                                    precioso, necessário                                                                    ao desenvolvimento                                                                    adequado. Siga                                                                    comigo o raciocínio:
A sua criança                                                                    começa                                                                    a abanar as                                                                    mãos,                                                                    desordenadamente,                                                                    num ritmo constante                                                                    e desengonçado:                                                                    coordenação                                                                    motora ampla                                                                    sendo treinada.                                                                    No cérebro,                                                                    neurônios                                                                    iniciam a comunicação,                                                                    uns com os outros,                                                                    tentando fechar                                                                    uma rede neuronal.                                                                    Todo movimento                                                                    automático                                                                    das mãos                                                                    e dos pés                                                                    é controlada                                                                    pela medula                                                                    vertebral, para                                                                    que o cérebro                                                                    fique livre                                                                    para outras                                                                    funções                                                                    mais nobres.                                                                    Não precisamos                                                                    pensar para                                                                    andar, pular,                                                                    correr, bater                                                                    palmas, mas                                                                    crianças                                                                    pequenas precisam.                                                                    Crianças                                                                    pensam para                                                                    poder falar.                                                                    Essa automatização                                                                    necessita de                                                                    treinamento,                                                                    todos treinamos                                                                    para isso. Autistas                                                                    precisam treinar                                                                    mais. É                                                                    o que tentam                                                                    fazer.
                                                                                                                                                                                                                      Em vez                                                                    de interromper,                                                                    você para                                                                    na frente dela                                                                    e imita seus                                                                    movimentos.                                                                    Faz isso durante                                                                    um tempo, até                                                                    que ela perceba                                                                    o que você                                                                    está                                                                    fazendo: percepção.                                                                    Então,                                                                    você começa                                                                    a alterar os                                                                    movimentos da                                                                    mão,                                                                    de intensidade,                                                                    de direção,                                                                    e ele começa                                                                    a tentar acompanhar:                                                                    imitação.                                                                    Em pouco tempo,                                                                    os movimentos                                                                    se tornam coordenados,                                                                    suaves, repetitivos:                                                                    coordenação                                                                    motora fina.
                                                                                                                                                  Talvez                                                                    não aconteça                                                                    da primeira                                                                    vez, ele não                                                                    está                                                                    acostumado a                                                                    esse tratamento,                                                                    esperava ser                                                                    contido. Não                                                                    foi, estranhou,                                                                    não colaborou.                                                                    Mas, na terceira                                                                    ou quarta vez,                                                                    ele vai colaborar,                                                                    participar do                                                                    jogo que você                                                                    está                                                                    propondo. Estabelece                                                                    com você                                                                    uma relação                                                                    de confiança,                                                                    constrói                                                                    um vínculo                                                                    com você.
                                                                                                                                                                                                                      Dentro                                                                    do seu sistema                                                                    nervoso central,                                                                    a rede de neurônios                                                                    que constantemente                                                                    tinha sido impedida                                                                    de se formar                                                                    pela tentativa                                                                    de se extinguir                                                                    o “ritual”                                                                    finalmente se                                                                    consolidou.                                                                    Os movimentos                                                                    tentados foram                                                                    automatizados,                                                                    estão                                                                    agora sob o                                                                    comando da medula,                                                                    e ele não                                                                    precisa treinar                                                                    mais. E esse                                                                    “ritual”                                                                    extingue-se                                                                    naturalmente.
                                                                                                                                                 Com                                                                    um ganho adicional:                                                                    o vínculo                                                                    criado deu a                                                                    ele confiança                                                                    de tentar treinar                                                                    outros desses                                                                    rituais, acelerar                                                                    seu desenvolvimento,                                                                    liberar áreas                                                                    do cérebro                                                                    para outras                                                                    atividades,                                                                    como falar,                                                                    comunicar-se,                                                                    alfabetizar-se,                                                                    socializar-se.
                                                                                                                                                 No                                                                    término                                                                    de cada dessas                                                                    sessões,                                                                    eu sempre dizia:                                                                    “muito                                                                    bem, parabéns,                                                                    você foi                                                                    ótimo!”:                                                                    compreensão                                                                    verbal. Tentava                                                                    um abraço,                                                                    quase sempre                                                                    conseguia. Às                                                                    vezes, depois                                                                    de umas poucas                                                                    tentativas,                                                                    conseguia uma                                                                    resposta: performance                                                                    cognitiva.
                                                                                                                                                                                                                      Num simples                                                                    exercício                                                                    de humanidade,                                                                    de empatia,                                                                    você facilitou                                                                    o desenvolvimento                                                                    da sua criança                                                                    em pelo menos                                                                    cinco itens                                                                    do desenvolvimento,                                                                    os cinco relacionados                                                                    à coordenação                                                                    motora e visual.                                                                    Com sorte, também                                                                    os outros dois,                                                                    relacionados                                                                    à fala                                                                    e sua compreensão.
                                                                                                                                                 Em                                                                    nossas futuras                                                                    conversas, falaremos                                                                    de outros “rituais”                                                                    e em como o                                                                    método                                                                    da aceitação                                                                    e imitação                                                                    melhora a qualidade                                                                    de vida das                                                                    nossas crianças                                                                    autistas.
(Manuel Vazquez Gil)                                                                  
  
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     10 de junho de 2012    A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa  Um mundo fragmentado e difícil de decifrar é o que as crianças autistas enfrentam. O transtorno de desenvolvimento, que atinge cerca de uma em cem crianças, é o tema do... 
A criança em isolamentoSabemos que uma das características de uma criança com autismo é o isolamento. Quando observamos essa criança, não parece que ela está nos pedindo ajuda ou mesmo querendo ser libertada desse lugar ou dessa situação.É uma... 
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Comentei recentemente sobre um tal boletim de avaliação e sobre os itens que o compõem. Geralmente, esse é o pontapé inicial de um trabalho com crianças autistas, porque avalia o estágio de desenvolvimento em que se encontra, e porque possibilita...