Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), há 70 milhões de autistas no mundo. No Brasil, calcula-se que sejam 2 milhões, que acabam de obter avanços em seus direitos com a publicação, no fim de 2012, da Lei nº 12.764, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Nesta terça-feira, 2 de abril, é celebrado o Dia Internacional da Conscientização do Autismo. Diversas ações são realizadas. Monumentos no mundo todo, como o Cristo Redentor, serão iluminados de azul, além de mobilizações em redes sociais.
É o caso das estudantes universitárias Carolina e Gabriela de Assis, gêmeas de 22 anos, que têm um irmão de 13 anos, Rafael, portador da síndrome. Carolina criou no Facebook o evento público Dia Azul, convidando pessoas a se vestir de azul, e posta informações sobre o autismo. Recentemente, tiveram repercussão apropriações preconceituosas do termo autista, como no caso do sociólogo Emir Sader, que chamou de autista a então ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e na associação da síndrome com comportamentos violentos, como o de Adam Lanza, 20 anos, responsável pelo massacre na escola americana Sandy Hook.
“Um sem-número de não diagnosticados, ou pior, de ‘maluquinhos’. Pode ser o caso de alguém que você conheça, de uma criança barulhenta na fila do mercado, de um adulto esquisito no banco. Tanto quanto tratamento, eles precisam de ajuda da sociedade para interagir”, diz Carolina na descrição do evento. “Se cinco pessoas aprenderem mais e em algum momento contarem para outras cinco, pessoas como meu irmão encontrarão um mundo menos hostil para lutarem”. Já Gabriela ficou responsável por divulgar a data em igrejas, associações e entre amigos da faculdade.
Classificado como transtorno ou desordem do espectro autista, o autismo pode se manifestar de três formas: o autismo clássico, a Síndrome de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), pode ser caracterizado como um “comprometimento que se manifesta antes dos três anos nas áreas da interação social e da comunicação, além de comportamento restritivo e repetitivo”.
Estudos indicam que a intervenção precoce é muito mais eficaz. A psicóloga e professora da PUC-Rio Carolina Lampreia destaca a importância de se iniciar o tratamento preferencialmente antes dos 3 anos, ou pelo menos até os 5, quando a criança ainda está se apropriando da linguagem. Ela participa de um convênio entre a PUC-Rio e a Secretaria Municipal de Educação, que está em seu primeiro ano, para capacitar professores da rede pública a detectar sinais do transtorno.
– Muitos não reconhecem os sinais tão cedo. As mães levam os filhos ao pediatra, relatam que o filho parece diferente, mas o médico não identifica. Faltam profissionais para diagnosticar, e não se tem para onde encaminhar, não há centros de referência.
Pai de um menino autista, o jornalista Luiz Fernando Vianna mantém um blog
avidadomeufilho em que fala sobre o seu filho e compartilha notícias sobre o autismo. Henrique, hoje com 12 anos, mora no exterior com a mãe desde os 5, primeiro na Austrália, para onde a ex-mulher de Luiz se mudou, mesmo sem consultar o pai da criança para tirá-lo do país. Hoje nos Estados Unidos, Henrique passa seis horas na escola, cinco dias da semana, em uma turma só de autistas – com a idade avançada, ele não pode mais estudar em turmas regulares – e frequenta atividades com crianças normais, como natação e ginástica, além de realizar sessões de terapia. Na Austrália, as sessões eram diárias e ele estudava em uma turma mista, com crianças neurotípicas, entre elas portadores de Síndrome de Down.
Luiz Fernando acredita que a distância do pai e dos outros parentes e a exposição a uma segunda língua podem ter atrapalhado o tratamento do filho. E lamenta que a rede pública de saúde brasileira esteja tão defasada em relação a outros países:
– No Brasil, não há política pública que mereça esse nome. Levantei os custos do tratamento se meu filho viesse para o Brasil, e seriam caríssimos. Não existe estrutura pública aqui. Em termos de estrutura pública, lá fora há mais facilidades para quem tem deficiência.
Vianna conta que o atraso na fala foi o sinal para que procurassem a ajuda de profissionais. Apesar do atraso, aos 2 anos, Henrique, que começou a andar aos 11 meses, já pronunciava palavras simples como "bola", "papai","mamãe". Após várias consultas a fonoaudiólogo e terapeuta, o diagnóstico só foi confirmado quando o menino tinha 4 anos.
– Como o diagnóstico demorou a ser dado, de certa forma, não foi uma surpresa. Mas foi um choque, sim. Houve um período de rejeição do diagnóstico por parte da mãe, e eu era 100% ignorante no assunto. Só conhecia os estereótipos como a "criança que fica balançando". Achava que teria solução se escolhesse a escola, o terapeuta certos. Hoje, por mais que ele tenha evoluído, há prejuízos que nunca serão resolvidos. A professora sempre manda relatórios e o quadro dele não permite muitos avanços. Levou um tempo para eu descobrir isso, e a luta é maior hoje porque eu sei que são quase nulas as chances de ele viver com autonomia, ele vai sempre precisar de um intermediador.
Segundo Carolina Lampreia, entre os principais sintomas para diagnóstico estão problemas na interação social, na comunicação e comportamento repetitivo ou estereotipado.
Diagnóstico: - Déficits na comunicação social e na interação social: déficit na comunicação não verbal e verbal utilizada para a interação social, falta de reciprocidade social, incapacidade de desenvolver e manter relacionamentos com seus pares apropriados ao seu nível de desenvolvimento.
- Padrões restritos e repetitivos de comportamento: comportamentos verbais estereotipados ou comportamento sensorial incomum, aderência a rotinas e padrões de comportamentos ritualizados, interesses restritos.
- Os sintomas devem estar presentes na primeira infância, mas podem não se manifestar plenamente, até que as demandas sociais ultrapassem as capacidades limitadas. Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), trata-se de "Um transtorno invasivo do desenvolvimento , definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de 3 anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de interação social , comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O transtorno ocorre três a quatro vezes mais frequentemente em meninos do que em meninas." Fonte: Associação dos Amigos dos Autistas (AMA) e CID-10. |
Em dezembro de 2012, o governo federal instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Pela lei, ficam assegurados o acesso à educação, ao ensino profissionalizante e ao mercado de trabalho; serviços de saúde que permitam o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. A lei garante ainda que a escola que recusar a matrícula de aluno com qualquer deficiência será punido com multa de três a 20 salários-mínimos.
Rafael de Assis, 13 anos, irmão de Carolina e Gabriela, faz tratamento médico na Santa Casa de Misericórdia, no Centro do Rio, uma vez por semana. Diagnosticado aos 3 anos e meio de idade, hoje ele chama as irmãs pelo nome e gosta de tirar fotos.
– Dos 6 aos 12 anos sentimos o progresso. Foi quando ele descobriu o videogame e escreveu a primeira palavra (“game over”) na parede. Achávamos que ele não prestava atenção no que dizíamos e de repente passou a nos chamar pelo nome. Antes que ele pegasse água na geladeira, tentávamos fazer com que ele pedisse o que queria.
Rafael já passou por instituições particulares e atualmente estuda em uma escola estadual em São João de Meriti, única instituição pública da região que atende crianças com este quadro. Assim mesmo, só vai à escola duas vezes por semana, duas horas por dia. Em casa, a família se reveza para fazer companhia e criar atividades, como quebra-cabeças e estimular pontos de interesse do menino, como o videogame, como incentivo para a alfabetização.
O jovem frequentou a Obra Social Dona Meca, em Jacarepaguá, que atende a 260 crianças, entre elas 50 autistas. Com doações e patrocínios de empresas, a instituição oferece fonoaudiologia, psicopedagogia e esportes como capoeira. A instituição espera poder aumentar o número de crianças atendidas – a fila de espera hoje tem cerca de cem crianças.
Grupos de apoio para pais, com terapeutas são realizados pela Associação de Pais e Amigos de Pessoas Autistas Mão Amiga, localizada na Pavuna, que oferece atividades educacionais para mais de 60 crianças e jovens autistas, a maioria de 2 a 8 anos. Segundo a coordenadora da casa, Mônica Accioli, há turmas para portadores de Síndrome de Asperger e será formado o primeiro grupo para adolescentes.
Tratamento Atividades lúdicas, brincadeiras e até jogos no Ipad para estimular raciocínio são utilizados pela fonoaudióloga Ana Cristina Fernandes, que trabalha há 25 anos atendendo crianças com deficiência. Ela explica que alguns portadores de autismo têm capacidade maior de alfabetização e de interação social que outros, e que o tratamento muda com a idade, mas sempre haverá a necessidade de acompanhamento profissional e uso de medicamentos:
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Autistas clássicos podem até adquirir fala e serem inseridos em um trabalho mais automatizado, mas é mais difícil. Em níveis mais brandos da doença, ou quando ela é diagnosticada e tratada precocemente, as chances de alfabetização são muito maiores. O autismo não pode ser revertido, mas as características podem ficar menos acentuadas. As crianças podem frequentar escolas regulares com propostas inclusivas e, em casos de autismo leve, o paciente pode estudar em escolas comuns. Mas sempre haverá um resquício, que pode se manifestar em tiques nervosos ou em Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Casos conhecidos Mauricio de Souza Produções |
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Casos de autismo já estiveram presentes no cinema, como no filme
Rain man, de 1988, em que o ator Tom Cruise interpreta o irmão que aprende a entender e conviver com o irmão autista, vivido por Dustin Hoffman. Na série de TV americana
The Big Bang Theory, o personagem Sheldon Cooper demonstra o que poderiam ser considerados sintomas da Síndrome de Asperger. Em 1999, a norte-americana Temple Grandin, portadora de um nível brando de autismo, publicou a autobiografia
"Uma menina estranha" (lançada em 2009 no Brasil), em que narra fases de sua vida até se tornar uma profissional bem-sucedida com diploma de PhD em Ciências Animais. Para ajudar a conscientizar os brasileiros, Maurício de Souza criou André, o amiguinho autista que entrou para a turma da Mônica em 2009, e ilustra esta reportagem.
fonte: http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=16771&sid=154
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