Autismo


Tudo é muito complexo no dia a dia de nossa realidade: o filho, os outros filhos, vida a dois, família.
Na ânsia de socorrer aquela que a meu ver mais precisava, esqueci-me dos outros a meu redor, sem falar de mim, que já tinha dado como perdida.
Tenho uma segunda filha, que tem três anos e meio a mais que a irmã e confesso que coloquei em risco nossa harmoniosa relação por achar que ela aos seis anos e meio já tinha por obrigação entender o diagnóstico da irmã e aceitar todas as suas consequências, inclusive a indisponibilidade da mãe.
Então, com ajuda terapêutica, cheguei à conclusão que o enfoque não podia ser esse e para minha filha mais velha escrevi:

                                        HEY MÃE! EU TAMBÉM ESTOU AQUI!

  Será que quando tomamos a decisão de ter mais de um filho temos verdadeiramente a noção do que nos espera?
  Eu pergunto isso porque hoje sei que as maiores dificuldades não estão em sabermos dividir o amor entre os filhos, já que amor de pai e mãe não se divide, se multiplica.
Também não esta no aumento das despesas porque, aperta daqui e dali, e sempre se dá um jeito.
  A grande dificuldade, a meu ver, reside no tempo, ou melhor, em como dividir o tempo entre os filhos. Aqui não existe mágica, o tempo é matemático, exato, preciso. Temos que nos virar nas 24 horas do dia, não tem multiplicação, nem um minuto a mais.
E ai começam os incêndios. Quem vamos priorizar na imutabilidade do tempo que nos cabe? Quem vamos momentaneamente deixar de lado? Afinal não somos onipresentes, não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo.
  Começam as queixas, os ciúmes. Qual de nós em algum momento da vida não se sentiu preterido pelos pais em favor de um irmão? Se eu for buscar, ainda sou capaz de sentir a mágoa do que, erroneamente para mim, foi uma rejeição. E esses sentimentos afloram entre irmãos, simplesmente porque tudo se passa ao largo da razão, é necessidade de posse, de se achar exclusivo, de ter o amor e a atenção dos pais só para si.
  Quando o segundo filho chega, ele trás com ele uma nova função para nós que é a de apagador de incêndios, passamos a ser um bombeiro que nunca mais vai tirar férias ou se aposentar.
Agora imagine se um de seus filhos tem uma questão especial? Eleve estes incêndios à potência máxima e viva a vida sempre no limite da loucura e exaustão.
  Quando a minha filha mais velha tinha seis anos eu fui chamada na Escola pela psicóloga porque, ao retratar a família em um desenho, ela colocou todo mundo com a cabeça enfiada na terra e os pés para cima, como se estivéssemos plantando bananeira com a cabeça enterrada no chão.
  Realmente o mundo dela estava mesmo de cabeça para baixo, a irmã, três anos e meio mais nova, havia sido diagnosticada com um transtorno neurológico e eu precisei me jogar de cabeça no tratamento e nas terapias para ajudá-la.
Por inexperiência, eu achei que naquele momento, apesar de ter apenas seis anos, ela entenderia a situação; o quadro da irmã; o porquê de eu parar de trabalhar para me dedicar a outra e não ter parado por ela; o porquê de eu usar o tempo para levar a irmã à fonoaudióloga, a psicopedagoga e outras terapias, sem sobrar tempo para ver o treino dela de natação, judô, etc.; o porquê de eu para brincar de casinha com a irmã ensinando-a os códigos sociais que para ela eram assimilados de maneira tão automática.
É lógico que ela não entendeu, ninguém em situação semelhante entenderia, estamos no campo das emoções onde a razão não entra.
  Chegou à adolescência e o cenário ganhou cores ainda mais vivas, labaredas muito mais intensas, períodos de silêncios profundos, distanciamento, contraposição a tudo. Ela continuava a ver a irmã como uma usurpadora do amor e da atenção que um dia foi só dela.
  Então, o meu olhar de mãe foi forçado a reconhecer que precisávamos de ajuda para não destruirmos a nossa preciosa relação.
  A psicóloga especialista em adolescentes a quem recorri, após algumas sessões de avaliação, foi enfática: “Sua filha não tem nenhum desvio comportamental ou de caráter, ela esta agindo assim porque esta foi à forma que ela encontrou de chamar sua atenção e fazer você notá-la (eu achei que estava equilibrando tão bem a situação). Ela esta insegura e precisa de provas concretas do seu amor (como se, por um minuto que fosse, eu tivesse esquecido ou enfraquecido este amor). Então você precisa encontrar um tempo para se dedicar exclusivamente a ela, a seus interesses, sem a irmã por perto, sob pena de perder os vínculos que um dia uniu vocês”.
  Como tempo não se multiplica, peguei minha roupa de bombeiro, abri mão de alguns momentos no tratamento de irmã e fui tentar apagar aquele incêndio que agora era prioritário.
Vida que segue, incêndio extinto, outros deixados pelo caminho e a certeza de que outros ainda virão.
   E assim, chamuscada, coberta de fuligem, espero chegar ao final desta louca equação entre a escassez de tempo e a escolha de prioridades, com um saldo positivo, confiante na força do amor que nos sustenta.
Roberta Haude



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