Um segundo assunto que deveríamos                  colocar em discussão, nós que somos brasileiros                  e vivemos neste país maravilhoso, diz respeito à                  importação de métodos terapêuticos                  para nossos filhos autistas. A discussão é pertinente                  e necessária, porque sabemos que a cultura muda de país                  para país, até de família para família,                  que terapias psicológicas devem levar em conta essas características,                  e que o terapeuta que não presta atenção                  a esse detalhe não consegue um resultado satisfatório.
           Apenas para exemplo rápido: testes psicológicos                  americanos ou europeus não podem ser aplicados em sujeitos                  brasileiros, antes de serem adaptados à nossa cultura.                  Não disse traduzidos, disse adaptados. Outro: os recursos                  de cada profissão são diferentes nos diversos países.                  Se um gaúcho da divisa com a Argentina levar seu filho                  a uma psicopedagoga hermana, descobrirá que não                  tem nada a ver com a psicopedagoga da rua da sua casa: lá,                  esse profissional aplica testes psicológicos, cá                  isso é proibido. Mais: se um médico com trinta anos                  de experiência em cirurgias cardíacas decidir mudar                  de país, tem que fazer um curso de adaptação                  no país que o recebe, se quiser exercer a profissão.
           Há três grandes sistemas de terapia para autistas,                  todos americanos. O TEACCH é estatal, administrado pelo                  governo estadual da Carolina do Norte, e é o pai de todos                  os outros. O ABA e o Son-rise vieram depois, mas tornaram-se mais                  famosos que o primeiro. Todos eles têm semelhanças                  e diferenças entre si, e todos têm vantagens e desvantagens,                  como todo e qualquer sistema em qualquer ramo da atividade humana.
           Há extenso material sobre esses sistemas na rede, e é                  possível saber detalhes de qualquer um. A discussão                  que desejo abrir não é sobre a excelência                  dos programas, mas sobre a conveniência, ou não,                  de se aplicar qualquer um deles no projeto que desejamos. Qual                  é o nosso projeto? Todo autista com direitos ao acesso                  a tratamentos de excelência, independentemente de sua condição                  social.
           À parte o TEACCH, que se sabe estatal, os outros dois são                  franquias: o profissional faz um curso e ganha uma licença                  para atuar dentro da filosofia do programa.
           Com relação aos dois, é preciso que se diga                  que mais de 90% dos autistas não conseguiriam frequentá-los,                  devido ao custo do programa: O ABA, por exemplo, propõe                  um terapeuta para cada criança, disponível o tempo                  todo, e mesmo que todo autista brasileiro tivesse posses financeiras,                  e todo psicólogo se dedicasse a isso, a conta não                  fecharia: há pelo menos 10 autistas para cada psicólogo,                  no Brasil. Também o Son-rise está fora das nossas                  posses.
           Há ainda uma discussão ética que foi levantada                  recentemente com a descoberta de uma falsa psicóloga, credenciada                  pela ABA: essas franqueadoras possuem estrutura para fiscalização?                  Ou as diferenças legais dos diversos países podem                  levar a um engano? Só para comparação, fora                  da área, mas sugestiva: nos Estados Unidos, um suspeito                  levado a julgamento pode abrir mão de um advogado e defender-se                  a si mesmo, coisa impensável aqui. Se essa falsa psicóloga                  fosse de lá, poderia lançar mão dessa prerrogativa                  legal, o que não vai acontecer aqui.
           Divaguei, desculpem, volto ao eixo: se testes psicológicos                  e médicos precisam ser adaptados para serem aplicados,                  porque importamos métodos em forma de franquia, que não                  admitem adaptações? Não podemos perder de                  vista que se trata de terapias com nossos maiores tesouros, e                  que nosso objetivo é oferecer o melhor para eles.
           Tenho proposto uma mudança de paradigma no modo de observar                  e cuidar de autistas: tirar o foco da doença e dos déficits                  e lançar o olhar para os talentos, daí o nome Dom                  do Autismo. Dentro desse novo olhar, encontrei duas profissionais                  que lidam com a criança, e que fazem isso praticamente                  de graça, às vezes até pagam para fazer:                  a mãe e a professora. Se autistas devem estar em treinamento                  constante, como todos os métodos sugerem, então                  deveríamos capacitar as duas únicas profissionais                  que lidam com eles vinte e quatro horas por dia.
           Na esteira dessa filosofia, tenho defendido a tese de que o trabalho                  junto a uma criança autista deve ser mais pedagógico                  e menos psicológico. Tenho visto psicólogos executando                  tarefas que são pertinentes à pedagogia, automaticamente                  levados pelas necessidades da criança. E tenho visto professoras                  perdidas entre a sua nobre função e os cuidados                  inerentes à psicologia. A criança autista e suas                  idiossincrasias causa essa confusão.
           Proponho iniciarmos a discussão de um sistema brasileiro,                  onde os governos constituídos das três instâncias                  procurem Universidades para um convênio onde psicólogos                  e médicos, subsidiados pelo Estado, capacitem famílias                  e escolas para os cuidados com autistas, e ofereçam suporte                  e assessoria às escolas e às famílias, durante                  todo o processo de crescimento da criança, até a                  idade adulta e o alcance da autonomia.
           Algo real, palpável, negociável, que seja o ganha-ganha,                  e que não só acolha nossas crianças, mas                  também as instituições responsáveis                  pelo seu crescimento. E que coloque nosso país na agenda                  mundial, não de importador de produtos prontos às                  vezes inadequados à nossa cultura, mas de produtor de soluções                  próprias e funcionais.
           Mãos à                  obra?
  
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