
Na última quinta-feira (07/07), foi ao ar uma matéria sobre inclusão no  programa Encontro, da Fátima Bernardes. A expectativa era grande. Falar  sobre inclusão em uma TV aberta, com o prestígio de uma jornalista  competente como ela, que atinge milhões de pessoas de todas as classes  sociais, é uma chance de ouro para expor os nossos problemas, tocar na  ferida da vergonha que é a inclusão nesse país, e chamar a atenção para o fato de que todos só têm a ganhar ao conviver com as diferenças.
 
 Bom, é com imenso pesar que digo que fiquei muito decepcionada com o  programa. Como jornalista, achei que foi superficial. Faltou, no mínimo,  ouvir todos os lados. E como mãe de criança especial, fiquei triste.
 
 Em primeiro lugar, o tema é sério e foi tratado em meio às comemorações  e entradas ao vivo de torcedores ainda eufóricos com a conquista da  Libertadores do Corinthians na noite anterior. Nada contra os  corintianos. Sou casada com um e meus dois filhos fazem parte do "bando  de loucos". Mas, as entrevistas e as matérias gravadas sobre o título  eram interrompidas toda hora com piadinhas e depoimento das pessoas nas  ruas de São Paulo sobre o Timão. Totalmente fora de contexto.
 
 O  programa é ao vivo e o minuto na Rede Globo custa muito caro. Sabemos  disso. Por isso, as pessoas que fossem escolhidas para falar, tinham de  dar um quadro rápido, objetivo e fiel do que é a inclusão no Brasil.  Entrevistaram um senhor de um órgão público (não vou citar o nome), que  disse com todas as letras que existe sim programas públicos de  atendimento a autistas e outras síndromes no Rio de Janeiro. E que os  pediatras estão preparados para dar diagnósticos a partir dos 6 meses de  idade.
 
 Meu senhor, eu tive de praticamente convencer a  pediatra do Luca – na época já com mais de 2 anos e meio de idade –, que  ele tinha Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), mesmo com os  sintomas gritando na cara dela (hiperatividade, ausência da fala, falta  de contato ocular e a atenção de uma borboleta). Fui a cinco  neuropediatras e tive três diagnósticos diferentes. (TGD, Autismo e  "ausência dos pais, que trabalham fora"). Ainda tive de conviver com a  culpa... Engraçado que sempre trabalhei e o meu primeiro filho não  apresentou os mesmos sintomas. Ou seja: quem diagnosticou o Luca fui eu!
 
 Meu senhor, temos dois centros especializados no Rio de Janeiro: o  Cema, na Av. Presidente Vargas, cuja lista de espera é de 70 crianças, e  o Instituto Fernandes Figueiras, da UFRJ, em Botafogo, que já não  aceita novos pacientes há mais de dois anos. 
 
 Ah, temos ONGs  sim. Conheço, meu caro senhor, ONGs que cobram quase o valor das sessões  normais. Outras são gratuitas, mas exigem que você tenha renda familiar  de um salário mínimo! Realmente, quem ganha mais do que R$ 600 por mês  já pode pagar todo o tratamento para os seus filhos autistas! 
 
  Os profissionais cobram de R$ 70 a R$ 200 por sessão. Os planos de saúde  reembolsam, quando reembolsam, R$ 25 para as consultas,e você tem de  entrar na justiça para que o número de sessões de terapia não seja  limitado a uma por semana, com duração de 30 minutos. Então, meu senhor,  não venha me falar que o goveno tem um plano de atendimento para  autistas, porque não tem!
 
 Uma criança com TGD, autismo, TDA,  síndromes do tipo, precisa de, pelo menos, 15 a 20 horas semanais de  terapia - fora a escola -, com fono, terapeuta ocupacional, psicóloga,  nutricionista, psicomotrista e alguma intervenção sensorial. É o mínimo.  O ideal é que tenha ainda equoterapia, ginástica olímpica, natação,  psiquiatra e terapias especializadas como ABA, Floortime, DIR, Son-rise e  outros. Tudo isso é gratuito em países como os Estados Unidos e  Austrália, por exemplo.
 
 Escolheram uma mãe para falar no  programa (não estou criticando a mãe, mas a escolha), que tem uma  criança autista hiperléxica, que fala e lê desde os dois anos. Mas, de  novo, sem criticar, nem querer comparar a dor de cada um, isso não  traduz, nem de longe, o drama da maioria dos autistas e das suas  famílias. 80% não falam na primeira infância. Desses, 50%  não vão falar  nunca se não receberem muito estímulo, aceitação e estiverem em uma  escola que os abrace. 
 
 A figura do autista que a gente conheceu  no filme "Rain Man", que decora a lista telefônica, faz contas absurdas  de cabeça e memoriza tudo o que vê pela frente, representa menos de 10%  dos casos. Esses são os conhecidos "savants", que têm uma inteligência  acima da média.
 
 Fiquei triste, porque o programa reforçou dois  estereótipos que a gente luta para acabar: que inclusão é colocar uma  criança diferente em salas de 25 alunos e pronto! e que os autistas são  pessoas, na verdade, privilegiadas, com uma inteligência fora do normal.
 
 Inclusão poderia sim, ser simples, se vivêssemos em um mundo que  tolerasse as diferenças, o que não é verdade. Nossa sociedade discrimina  quem é magro demais, gordo demais, preto demais, asiático demais,  branco demais, indígena demais, pobre demais, rico demais, feio demais,  baixo demais, alto demais....
 
 A culpa não é só do governo. No  dia em que pais de crianças neurotípicas se derem conta que o filho dele  vai crescer um ser humano mais tolerante, civilizado e melhor se  conviver com a diferença desde novo, a inclusão vai acontecer. Quando as  escolas se derem conta que os diferentes precisam de currículo adaptado  para continuarem acompanhando os colegas, a inclusão vai acontecer.  Estamos a centenas de anos disso... Conheço uma mãe que já foi a mais de  70 escolas para incluir seu filho autista de 14 anos que fala, lê, faz  conta e escreve, mas não consegue, por exemplo, fazer conta de raiz  quadrada, nem escrever com letra cursiva.
   
 É muito difícil  fazer com que uma criança que veio ao mundo física, emocional e  neurologicamente programada para ter dificuldade em aprender e se  socializar consiga escrever, ler, falar e entrar numa sala de aula sem  surtar. E as pessoas querem que ela só continue na escola se souber  fazer raiz quadrada???? É demais, sério... A desculpa das escolas é que  se ele usar calculadora, os outro pais vão querer que seus filhos também  usem.
 
 Sim, esses pais existem, minha gente. Tem mãe/pai que  tira seu filho da escola se ela tem muito menino "esquisito". A  entrevistada do Encontro contou que um pai ligou para a casa dela  dizendo que não estava gastando um dinheirão com o seu filho para ele  conviver com gente "doida". Posso ficar aqui até amanhã contando casos  absurdos que eu ouço de outras mães, companheiras de dor e angústia nos  meus grupos de discussão na internet e na vida real. 
 
 A  primeira escola que o Luca frequentou, onde ele ficou seis meses,  sugeriu, nas entrelinhas, que eu o medicasse. Medicar uma criança que  não tinha nem 3 anos!!! É esse o modelo de inclusão do Brasil. Que manda  dopar suas crianças para que elas entrem em sala quietas, mudas, sem  falar, sem aprender, sem evoluir....
 
 É por isso que não  acredito em inclusão nesse país. A coisa ainda funciona assim, na  maioria dos casos: Os pais de filhos neurotípicos fingem que aceitam as  diferenças; as professoras fingem que estão preparadas; a escola finge  que está confortável com a presença de crianças cujo ensino foge do  padrão; o governo finge que tem programas de atendimento gratuitos, e  nós, mães e pais especiais, fingimos que não dói ver nossos filhos à  margem da educação. 
 
 Pensando bem, a Fátima Bernardes não tem  culpa do "Desencontro" da última quinta-feira. E falo isso sem ironia. O  programa dela foi, na verdade, o retrato da inclusão no Brasil:  superficial, cheio de estereótipos e com pouco tempo para discussão,  onde o futebol tem mais espaço e investimento que a educação!
 
 Esse foi o texto do Na Pracinha da semana
 bjos e nos encontramos lá! (09/07/2012)

  
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http://globotv.globo.com/rede-globo/encontro-com-fatima-bernardes/v/andre-e-marie-moraram-fora-do-brasil-como-filho-autista/2430209/ http://globotv.globo.com/rede-globo/encontro-com-fatima-bernardes/v/no-brasil-pedro-foi-estudar-em-escola-publica/2430214/... 
                                        Segunda-feira, 9 de julho de 2012     Desencontro, com Fátima Bernardes    Na última quinta-feira (07/07), foi ao ar uma matéria sobre inclusão no programa Encontro, da Fátima Bernardes. A expectativa era grande.... 
Parte 1 http://globotv.globo.com/rede-globo/encontro-com-fatima-bernardes/t/videos/v/berenice-piana-lutou-pelos-direitos-dos-autistas-no-brasil/2430204/ Parte 2 http://globotv.globo.com/rede-globo/encontro-com-fatima-bernardes/t/videos/v/ana-maria-elias-adotou-dois-filhos-autistas/2430211/... 
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