Autismo
Texto do Dr. Alyson Muotri
 
 
Consciência autista
        
Abril  é o mês da conscientização sobre o autismo, condição especificamente  humana que afeta a percepção social e comunicação dos pacientes.  Infelizmente, os sintomas muitas vezes são confundidos com birra,  desinteresse ou falta de educação pela população leiga.
Não vejo isso  como preconceito contra o autista, mas falta de conhecimento. Um dos  benefícios da conscientização é justamente a quebra do estigma. O mês  começa com diversas novidades sobre o assunto, inclusive dados recentes  sobre a frequência de autismo na população.
 Dados divulgados pelos CDC (sigla em inglês para Centros de Prevenção  e Controle de Doenças) na semana passada trazem novos números sobre a  prevalência de pessoas afetadas nos EUA. Um dos pontos fortes do cálculo  dos CDC é que os números são baseados em métodos estatísticos  idênticos, usados por mais de uma década. Os números atualizados são  frutos da coleta de dados anteriores, focando em crianças com 8 anos de  idade, em 11 locais diferentes. Os dados revelam a prevalência de 1 em  cada 68 crianças no ano de 2010 (com base em crianças que nasceram em  2002). Dados anteriores, com crianças nascidas em 2000, geravam uma  frequência de 1 a cada 88 crianças. Existe uma variação considerável  entre os 11 pontos estudados: de 1 para 45 no estado de Nova Jersey até 1  para 175 no Alabama. Semelhante às estimativas anteriores, a frequência  de autismo em meninos continua 5 vezes maior do que em meninas.
 A prevalência de autismo tem crescido de forma alarmante: aumentou em  125% desde 2002, 29% entre 2008 e 2010. Quanto desse crescimento  significa mais diagnósticos ou mais indivíduos afetados realmente é  difícil de saber. Por isso mesmo, é importante ampliar os estudos para  que se tenha uma visão mais precisa do tamanho do problema, além de  insights sobre possíveis causas desse crescimento acelerado. Vale  lembrar que um estudo feito no ano passado na Coreia do Sul usando  métodos estatísticos semelhantes, mas abrangendo um população maior (com  crianças de 7 a 12 anos de idade) revelou uma prevalência de 1 a cada  38 crianças. Esse número se aproxima do observado em Nova Jersey (1 para  45), um estado onde a conscientização e o diagnóstico do autismo são  considerados excelentes. Seria razoável imaginar então que essa seria a  frequência real de crianças autistas? Ou será que existem fatores  ambientais em determinadas regiões que favorecem o autismo?
 Independente do motivo desse crescimento, é certo que iremos precisar  de mais serviços para atender essa população que irá crescer e resultar  em adultos autistas. Aliás, o custo de vida de um indivíduo autista foi  estimado em 2006 por um grupo de Harvard em U$3,2 milhões de dólares  (Ganz, APAM 2007). 
Uma nova análise econômica foi feita recentemente  levando-se em consideração custos educacionais e outros custos  indiretos, que haviam ficado de fora na estimativa de Harvard. Os novos  dados projetam um aumento de aproximadamente U$17 mil dólares por ano.  Apenas 18% desse custo é relacionado com saúde. Metade é atribuída a  custos educacionais. Assumindo 673 mil crianças com idades entre 3 a 7  anos diagnosticadas com autismo nos EUA, o gasto total do Estado  americano com autismo é de cerca de U$11,5 bilhões por ano (Lavelle e  colegas, Pediatrics 2014). Claro que os novos números do CDC irão inchar  esse custo, um problema significativo para os americanos. Reconhecer o  tamanho e abrangência do autismo é o primeiro passo. Investir em como  solucioná-lo é o próximo.
 Infelizmente, hoje em dia, com a crise nos EUA, meros US$ 100 milhões  são destinados à pesquisa sobre o autismo pelo NIH - a maior agência de  fomento para a ciência americana. Uma fração relativamente pequena se  comparada com a verba alocada para pesquisa em câncer ou doenças  neurodegenerativas. A boa notícia é que esse financiamento modesto tem  dado retorno, principalmente vindo dos Centros de Excelência criados  para o estudo do autismo em diversos estados americanos.
 Estudo publicado na semana passada no famoso periódico cientifico  “New England Journal of Medicine” (Stoner e colegas 2014) revelou  alterações físicas na arquitetura cortical do cérebro de crianças  autistas. O córtex frontal é uma das regiões responsáveis pelo  comportamento social humano e comunicação. Diversos trabalhos anteriores  já haviam correlacionado o córtex ao autismo. Essa região do cérebro é  composta por seis camadas laminares, formadas durante a gestação, que  ficam compactadas na caixa craniana. Células progenitoras neurais migram  durante o desenvolvimento e se sobrepõem, uma a uma, conectando-se  entre si e com diversas outras regiões do cérebro. O estudo, realizado  pelo Centro de Excelência de Estudos do Autismo em San Diego, na  Califórnia, em colaboração com o instituto filantrópico Allen, aponta  defeitos nessa organização cortical em tecidos post-mortem de autistas. O  córtex humano, quando esticado, tem a área equivalente a uma quadra de  basquete. O fato de conseguirem detectar defeitos olhando para pedaços  do tamanho de uma bolinha de gude é fenomenal.
 As anomalias anatômicas são sutis e variáveis, mas presentes em 10  dos 11 cérebros analisados, todos doados para ciência pelas famílias de  autistas. Apenas um dos controles apresentou defeitos semelhantes (1 em  11 analisados). Como essas camadas são formadas ainda no útero, abre-se a  perspectiva de um diagnóstico pré-natal. Só não temos ainda métodos de  imagem sensíveis o suficiente para detectar alterações desse porte. Além  disso, os dados se somam a evidências de que o autismo começaria  durante o pré-natal, mesmo os sintomas sendo detectados mais  tardiamente. Obviamente, o estudo é apenas exploratório, pois o número  de cérebros analisados é pequeno (um problema que pode ser melhorado com  programas de conscientização cientifica e doação de órgãos para  pesquisa). De qualquer forma, acho o estudo interessante, pois esses  defeitos podem ter sido causados por mutações genéticas somáticas que se  acumulam no cérebro durante o desenvolvimento. É o caso da atividade de  retrotransposição, um fenômeno genético, mas que pode ser induzido pelo  ambiente, alterando a atividade neuronal (Muotri e colegas, Nature  2010).
 É verdade que o autismo ainda é um mistério. Não sabemos quando ele  surge, quais as características cerebrais, ou mesmo se é uma ou são  várias síndromes agrupadas por diagnósticos clínicos meramente  comportamentais. Sabemos do forte componente genético do autismo. Mais  de 30% dos afetados têm mutações genéticas espontâneas, a maioria não  causa autismo necessariamente, mas aumenta as chances do indivíduo.  Sabemos também que essa genética não é determinista. Diversos trabalhos  científicos mostram que o autismo pode ser tratado ou mesmo reversível. A  parte ambiental ainda é pouquíssimo estudada. Não sabemos como  reagentes químicos presentes no nosso dia-a-dia interagem de forma  epigenética em nosso genoma, por exemplo. Apesar de existirem  tratamentos comportamentais que atuam nos sintomas do autismo,  tratamentos médicos ainda são um tiro no escuro.
 Acredito na individualidade do autista e numa futura medicina  personalizada. Enquanto isso não se torna realidade, crianças e adultos  autistas precisam de melhores serviços. A melhor forma de conseguir  serviços mais eficientes é justamente através da ciência. Conforme  entendemos o que acontece com o cérebro em desenvolvimento, que deixa  uma criança sem comunicação, ou incapaz de interagir socialmente,  estaremos melhor preparados com diagnósticos mais precoces e melhores  intervenções. Conforme identificamos os diversos tipos de autismo,  causados pela genética, pelo ambiente ou pelos dois, podemos esperar  melhores ferramentas de prevenção e tratamento. Conforme entendemos a  evolução do autismo no adulto, podemos oferecer melhor cuidado e  independência.
 O mês da consciência autista nos lembra o quanto é importante  investir em pesquisa, principalmente em países como o Brasil, evitando o  distanciamento tecnológico e moral de nossa ciência. A pressão popular  por mais investimentos num tradicional governo tragicômico como o nosso é  a melhor ferramenta para mudarmos essa situação.
 * Legenda da foto: O pequeno Ivan Coimbra (7), autista, mostra seu charme e desenvoltura num balanço da Califórnia
* Crédito: Arquivo pessoal
fonte: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/blog/espiral/post/consciencia-autista.html
      
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