MELATONINA: ESTRESSE OXIDATIVO E DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS
Autismo

MELATONINA: ESTRESSE OXIDATIVO E DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS



Profa. Dra. Glauce Socorro de Barros Viana
Departamento de Fisiologia e Farmacologia
Universidade Federal do Ceará

A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é o principal hormônio da glândula pineal em vertebrados, mas é produzida também em outros tecidos em anfíbios. O hormônio é envolvido no estabelecimento do ritmo circadiano em mamíferos, tendo sido isolado e caracterizado, em 1958, por A. B. Lerner.
A biosíntese da melatonina tem início com a captação do aminoácido essencial triptofânio pelas células parenquimatosas da glândula pineal. Depois de captado, o triptofânio é convertido em outro aminoácido, 5-hidroxitriptofânio, através da ação da enzima triptofânio hidroxilase e, em seguida, é convertido no neurotransmissor 5-hidroxitriptamina (serotonina) pela enzima descarboxilase de aminoácido aromático. As concentrações de serotonina na glândula pineal são mais elevadas do que em qualquer outro órgão ou estrutura cerebral. Os níveis de serotonina  aumentam durante o dia e caem drasticamente no início da noite, quando então esse neurotransmissor é convertido em melatonina, 5-hidroxitriptofol e outros metoxi-indóis. A conversão de serotonina para melatonina envolve duas enzimas características da glândula pineal: a serotonina-N-acetil-transferase que converte a serotonina em N-acetilserotonina, e a
5-hidroxi-indol-O-metil-transferase, enzima responsável pela transferência do grupo metil da S-adenosil-metionina para o grupo 5-hidroxil da N-acetilserotonina, dando como resultado a N-acetil-5-metoxitriptamina ou melatonina.

Melatonina é um neuro-hormônio – substância secretada por um neurônio, capaz  de posteriormente atingir diretamente a circulação sangüínea – elaborado por uma ampla variedade de animais e vegetais. Nos seres superiores, como o Homem, ela é fabricada pela glândula pineal e, segundo os estudos até agora realizados, ela é a principal responsável pela regularização do sono.
Na esfera química ela é qualificada como indolamina, produzida a partir do triptofano e antecedida pela serotonina, um neurotransmissor  capaz de regular o humor e impedir, ao se encontrar nas proporções certas no organismo humano, a ocorrência da depressão. Dizem os pesquisadores que os mecanismos fotoreceptivos da retina e da glândula pineal têm como função elaborar a Melatonina, transformando o processo de síntese da serotonina através da intervenção de uma enzima conhecida como serotonina-N-acetiltransferase. Este circuito produtor de Melatonina está presente em todos os vertebrados.
Este hormônio tem como característica transpor com facilidade as membranas das células, por meio de um processo chamado difusão. Assim, ele não é depositado dentro do pinealócito – esta estrutura forma o parênquima da pineal, ou seja, o tecido celular relacionado à armazenagem de substâncias nutritivas -, portanto é livre para percorrer as ramificações vasculares sanguíneas que regam a glândula pineal depois de sua constituição.
A melatonina é sintetizada assim que se fecham os olhos, pois diante da luz é produzida uma mensagem que logo depois é transmitida aos órgãos responsáveis. Neste momento é impedida a elaboração deste hormônio; assim fica claro que a sua fabricação depende exclusivamente das condições fotossensíveis do ambiente externo. Isto porque a pineal tem participação ativa na estruturação cronológica dos ritmos biológicos, agindo como árbitro nas relações entre claro e escuro, atividade e repouso, sono e vigília, bem como na regulamentação endócrina do processo reprodutor e no equilíbrio do sistema imunológico.
Resumindo, em um local tranquilo, suficientemente escuro, a produção de melatonina se acelera, provocando o sono; quando as condições são adversas, a pessoa não consegue atingir os níveis necessários deste hormônio, o que pode contribuir para o desencadeamento da insônia. Daí a importância de criar um ambiente adequado para um melhor repouso do organismo, no qual estejam ausentes a luz, o som, os cheiros ou qualquer fonte de calor, estímulos que impedem o advento do sono.
A melatonina também tem a missão de atuar como um fator antioxidante, resgatando células epiteliais à mercê da radiação ultravioleta. Ela pode igualmente auxiliar na reabilitação de neurônios atingidos pelo Mal de Alzheimer ou por períodos de isquemia que se caracterizam por ter sua origem em acidentes vasculares cerebrais.
A redução da elaboração de Melatonina pode ser atribuída a vários fatores, como a carência de nutrição, a associação de substâncias químicas e remédios, o estresse e o processo de envelhecimento. Sob a pressão de momentos estressantes, o indivíduo passa a elaborar mais cortisol e adrenalina, que por sua vez também leva à produção de moléculas de Radicais Livres, tornando as células mais propensas à ocorrência de uma lesão. Como se isto não bastasse, a adrenalina e o cortisol levam o organismo a sintetizar uma enzima conhecida como Triptofano pirolase, que tem o poder de eliminar o Triptofano, impedindo assim a elaboração da Melatonina e da Serotonina, o que pode desencadear igualmente um processo depressivo.
Fontes
http://pt.wikipedia.org/wiki/Melatonina
http://www.sistemanervoso.com/pagina.php?secao=6&materia_id=78&materiaver=1

O triptofânio é metabolizado no cérebro, através de duas vias: a via do metoxi-indol e a via da  quinurenina. A primeira leva à produção de MEL e apresenta efeitos inibitórios (atenua ações glutamatérgicas). Por outro lado, a via da quinurenina interage com as respostas cerebrais mediadas por glutamato. O óxido nítrico (ON) aumenta as liberações  de glutamato e melatonina, e as quinureninas atuam alterando a síntese de ON. Tanto a melatonina quanto os derivados da quinurenina inibem a atividade da sintase do ON ou  NOS.  A via da quinurenina é a mais importante via catabólica do triptofânio e leva à produção de ácido quinolínico, possivelmente envolvido em doenças inflamatórias neurológicas, como a doença de Alzheimer (DA). Por outro lado, o catabolismo da melatonina ocorre em duas direções: 70% por conjugação e 30% por oxidação. Recentemente (Ferry et al., 2005), foi mostrado que o metabolismo da melatonina
produz um derivado quinurenínico cuja ação farmacológica não está ainda bem esclarecida, mas que poderia ampliar o mecanismo de ação da melatonina.
 O metabolismo do triptofânio resulta em produtos que incluem a   coenzima A e intermediários do ciclo do ácido cítrico (ciclo de Krebs), essenciais para a função mitocondrial (produção de energia). A mitocôndria contém seu próprio genoma, com um código genético modificado e altamente conservado, entre mamíferos. O controle da expressão gênica sugere que a transcrição de certos genes mitocondriais pode ser regulada, em resposta ao potencial redox da membrana mitocondrial. A mitocôndria está envolvida na produção e conservação de  energia e apresenta um mecanismo de desacoplamento para produzir calor ao invés de ATP. Mitocôndrias estão também envolvidas na morte celular programada (apoptose). Evidências crescentes sugerem a participação da mitocôndria em doenças neurodegenerativas, envolvendo alterações em ambos os DNAs nuclear e mitocondrial (Castroviejo et al., 2002).
As concentrações de melatonina na glândula pineal apresentam variações circadianas que acompanham as variações na atividade da enzima N-acetiltransferase, aumentando durante a noite e diminuindo durante o dia. A melatonina exerce papel regulador sobre eventos fisiológicos, metabólicos e comportamentais, importantes na regulação de fenômenos endócrinos independentes do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal; termoregulação; regulação do sistema cardiovascular; ciclos de atividade-repouso e vigília-sono; sistema imunológico; crescimento e envelhecimento.
Tendo em vista que a melatonina apresenta notável poder antioxidante e os seus níveis diminuem com a idade, vários pesquisadores a sugeriram que este hormônio exerce papel crucial na gênese de doenças neurodegenerativas. A melatonina não apenas seqüestra radicais livres, tais como o radical superóxido (O2-), hidroxila (*OH), peroxila (LOO*) e o ânion peroxinitrito (ONOO-), mas também aumenta o potencial antioxidativo da célula, estimulando a síntese de enzimas antioxidativas tais como a superoxidodismutase (SOD), a glutationa peroxidase (GPX) e enzimas envolvidas na síntese de glutationa.  Em vários trabalhos, foi demonstrado que a melatonina aumenta a expressão de mRNA de enzimas antioxidativas (Srinivasan, 2002).   
O estresse oxidativo é apontado como um dos fatores primordiais que contribuem para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer (DA) e a doença de Parkinson (DP) entre outras.  A formação aumentada e a liberação de radicais livres, acoplados com o baixo potencial antioxidativo do sistema nervoso central são as principais razões responsáveis pelo elevado estresse oxidativo em células neuronais. Por outro lado, o
cérebro apresenta um potencial antioxidativo baixo e elevada taxa de ácidos graxos poli-insaturados, tornando as células neuronais vulneráveis ao estresse oxidativo. O fato de que ocorre aumento da incidência de doenças neurodegenerativas, em indivíduos idosos, levou vários pesquisadores a procurarem um fator comum cujos níveis declinassem progressivamente com a idade e que pudesse ser responsabilizado pelo aumento do estresse oxidativo, resultando em senescência e doenças degenerativas associadas ao envelhecimento. O estresse oxidativo e a disfunção mitocondrial são associados a doenças neurodegenerativas, tais como DP e DA.
Foi recentemente demonstrado que camundongos deficientes em SOD2 mitocondrial constituem modelos de estresse oxidativo endógeno (Hinerfeld et al., 2004). O fenótipo neurológico de camundongos desprovidos de SOD2, enzima mitocondrial seqüestradora de radicais livres, suporta a hipótese de que a neurodegeneração e as alterações enzimáticas mitocondriais podem ter uma conseqüência direta no estresse oxidativo mitocondrial endógeno. Estes resultados têm implicações importantes na implementação de terapia antioxidante racional, em doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, nas quais a perda neuronal está relacionada à disfunção mitocondrial e ao estresse oxidativo.
A DA é a mais importante forma de demência na velhice, afetando mais de 20 milhões de pessoas no mundo. Dentre as principais características moleculares da DA, estão o acúmulo de peptídio beta amilóide, sob a forma de depósitos insolúveis, levando à formação de placas senis e à formação de emaranhados neurofibrilares compostos de proteína Tau hiperfosforilada. Em trabalho recente, demonstrou-se que o pré-tratamento com melatonina, por via intraperitoneal, previne a hiperfosforilação da proteina Tau em modelo de hiperfosforilação induzida por infusão com isoproterenol, indicando o uso da melatonina na DA  (Wang et al., 2005).
O acúmulo de proteína beta amilóide parece ser uma etapa inicial na neuropatogênese da DA. Existem evidências de que a via da quinurenina está associada com a DA. E alterações desta via já foram descritas na DA (Guillemin and Brew, 2002). Recentemente, foi demonstrado que o fragmento 1-42, resultante da clivagem da proteína precursora do peptídio beta amilóide, induz a produção do ácido quinolínico em concentrações neurotóxicas, por macrófagos e microglia. A administração da melatonina não altera níveis corticais de NOS ou de proteínas sinápticas, tais como a sinaptofisina e a SNAP-25.  Contudo, o aumento das concentrações cerebrais de melatonina leva a uma redução significativa nos níveis do peptídio beta amilóide (Lahiri et al., 2004).  As placas senis na DA são associadas com inflamação local crônica . Um dos fatores mais importantes da toxicidade do ácido quinolínico é a peroxidação lipídica, e
marcadores desta foram encontrados na DA. Segundo Guillemin e Brew, 2002, todos os fatos apontam para o ácido quinolínico como um dos fatores críticos na patogênese de danos neuronais associados à DA.
Pacientes com doenças neurodegenerativas, como a DA e a doença de Huntington (DH), apresentaram baixas concentrações séricas de triptofânio e elevadas concentrações de quinurenina. Em ambos os casos, as concentrações de triptofânio apresentaram correlação inversa com o grau de retardo mental. Os resultados mostram que doenças neurodegenerativas, como a DA e a DH, estão associadas com o aumento na degradação de triptofânio (Widner et al., 1999). Estes dados mostraram também que a ativação crônica e sistêmica do sistema imunológico, em pacientes com  DA e DH, está associada com a degradação significativa do triptofânio, provavelmente devida à ativação de indolamina 2,3-dioxigenase por estímulos imunológicos.
Por sua vez a melatonina é um poderoso agente antioxidante, e evidências mostraram seu efeito benéfico contra os danos moleculares induzidos pelo estresse oxidativo e doenças, incluídas aquelas em que a função mitocondrial está afetada. (Castroviejo et al., 2002). A melatonina e seus metabólitos atuam direta e indiretamente como seqüestradores de radicais livres e como drogas antioxidantes (Reiter et al., 2004). O estresse oxidativo contribui para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. A eficácia da melatoninal na inibição do estresse oxidativo foi estudada em várias doenças neurodegenerativas cuja patogênese está associada à atividade citotóxica de radicais livres, tais como a DA e a DP (Olakowska et al., 2005). Dados recentes mostraram que a melatonina protege contra os danos oxidativos induzidos por radicais livres, em tecido cerebral de coelhos, através do aumento de enzimas antioxidantes e, particularmente, através
da redução dos níveis de peroxidação lipídica (Kerman et al., 2005). Resultados semelhantes foram observados por Akcay et al., 2005, em modelo experimental de injúria neuronal, induzida por ácido caínico, através do estresse oxidativo e liberação de óxido nítrico, em cérebro de ratos. 

A injeção intracerebroventricular (i.c.v.) de estreptozotocina causa alterações nas funções cognitivas, associadas à geração de radicais livres, em cérebro de ratos. Sharma e Gupta, 2001, mostraram que a melatonina foi eficaz em reduzir os déficits cognitivos e o estresse oxidativo causado pela injeção i.c.v. de estreptozotocina, em ratos.
Em modelo experimental de DP (administração intraestriatal de 6-OHDA) em ratos, mostramos que a melatonina (2 a 25 mg/kg, i.p., 7 dias) bloqueou os movimentos rotacionais induzidos pela apomorfina. A melatonina aumentou, de modo significativo, a densidade de receptores dopaminérgicos D1 e diminuiu os valores de Kd, alterados no corpo estriado de ratos lesionados com 6-OHDA. Enquanto a 6-OHDA diminuiu os níveis de DA e seus metabólitos (DOPAC e HVA), no corpo estriado de ratos, estes efeitos foram revertidos pela administração de melatonina. Efeitos semelhantes foram observados no caso de 5-HT. A melatonina  reverteu, também, o aumento nos níveis estriatais de MDA (nmol/mg proteína) produzido pela injeção intraestriatal de 6-OHDA (Aguiar et al., 2002). Em conclusão, os dados da literatura e os nossos, também, falam a favor do uso benéfico da melatonina como tratamento alternativo para doenças neurodegenerativas, incluindo-se a DA e a DP.

Bibliografia citada

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