De acordo com Olívia Correia (2005), o pensamento em relação à intervenção no autismo tem vindo a acompanhar a evolução sobre o conceito do tratamento da doença mental. O conceito de tratamento passou a ser centrado na saúde mental, isto é, na prevenção da doença e não quando esta já se encontra num estado avançado. Desta forma, no autismo, o conceito de intervenção passou a valorizar a identificação precoce da patologia, de modo a que se consiga atenuar o efeito da sintomatologia e assim causar menos impacto na vida da criança autista.
Deste modo, após uma identificação precoce, a intervenção precoce no autismo é fundamental para que as manifestações primárias da patologia não se agravem, dificultando a intervenção numa fase posterior e para amenizar o prejuízo no desenvolvimento da criança. Assim, a intervenção precoce no autismo consiste em actuar sobre os sintomas iniciais da patologia, evitando que estes se tornem irreversíveis e mais difíceis de tratar. (Correia, 2005).
Para além disso, Dawson & Zanolli (2003), citados por Correia, defendem que, como a Perturbação Autística está associada a alterações ao nível cerebral, a intervenção precoce pode ajudar a criança autista a ter uma actividade cerebral mais normal, visto que esta provoca transformações nas sinapses neuronais que ainda se encontram flexíveis devido à plasticidade neural que estas crianças ainda apresentam.
Uma das abordagens utilizadas na intervenção precoce é a abordagem desenvolvimentista que procura identificar as características autistas que se afastam do que é considerado desenvolvimento normal, de forma a retomar o decurso do desenvolvimento típico que a criança autista não seguiu devido às suas dificuldades de interacção e comunicação. Um importante princípio desta abordagem assenta no facto de que as interacções sociais recíprocas se encontrarem prejudicadas no autismo e são fundamentais no desenvolvimento infantil e, por isso, devem ser trabalhadas para um bom prognóstico (Correia, 2005).
Os princípios básicos dos programas de intervenção precoce:
Segundo Correia (2005), na intervenção precoce, o estabelecimento de interacções sociais entre a criança autista e as pessoas que a rodeiam só é realizado a partir do momento em que esta passa a prestar atenção ao adulto para que, a partir daí, consiga interagir com ele.
Klinger & Dawson (1992) citados por Correia, afirmam que “
as dificuldades de comunicação no autismo se encontram muito mais na área da comunicação social do que na produção da fala”. Por isso, como as crianças autistas são capazes de falar mas não percebem os outros como agentes comunicativos, não desenvolvem a intenção de comunicar. Contudo, precisam de desenvolver essa intenção para desenvolver o uso funcional da linguagem, ou seja, necessitam de desenvolver os precursores da linguagem. Para isso, é necessário criar situações, em contextos naturais de interacção, que induzam na criança a necessidade de comunicar com os outros, por iniciativa própria, sem necessitar para isto de pedidos externos. Ou seja, na abordagem desenvolvimentista, o terapeuta facilita o desenvolvimento de linguagem e a comunicação criando contextos que
motivem as crianças a comunicarem. No entanto, deve ser mantida uma rotina e consistência nestas interacções (por exemplo, disponibilizar os mesmos brinquedos e estabelecer o mesmo horário para a intervenção), uma vez que estas crianças não são receptivas a mudanças no ambiente. Assim, permite-se que a criança se sinta segura e confiante para o estabelecimento das interacções sociais.
Prizant, Wetherby & Rydell (2000), citados por Correia, defendem que os
problemas comportamentais como a agressividade para com os outros, as birras e a auto-agressão, são tentativas de comunicação da criança. Para ajudar a minimizar estes “comportamentos-problema”, é importante que a criança desenvolva
actividades efectivas de comunicação para que possa expressar as suas intenções, quer através dos gestos, do olhar ou até mesmo da fala.
Correia (2005) refere que a intervenção deve ser
individualizada, respeitando sempre a singularidade de cada criança. Para tal, é imprescindível analisar pormenorizadamente as suas habilidades, dificuldades e capacidades, bem como considerar os seus gostos, necessidades e interesses para o desenvolvimento das estratégias de intervenção.
Segundo a mesma autora, os
adultos que rodeiam as crianças devem funcionar como guias, dando-lhes suporte para que estas se possam desenvolver. Para isso, devem ajudá-las, através de oportunidades, a vencer as suas dificuldades, apoiando-as e orientando-as perante contrariedades. Por esta razão, é fundamental que a
família assuma um papel activo no processo de intervenção. Desde que a família seja bem orientada, esta pode funcionar como a base do desenvolvimento da criança autista, dado que, a família passa muito mais tempo com a criança do que o terapeuta podendo ajudá-la a desenvolver as suas habilidades sociocomunicativas naturalmente nas diversas situações do dia-a-dia.
De acordo com Guralnick (2000), citado por Correia, a família de uma criança que apresenta problemas no seu desenvolvimento é afectada por vários factores que afectam o modo como esta vai interagir com a criança, o que pode ser muito prejudicial para o seu desenvolvimento. Este autor aponta quatro factores:
1. A falta de informação que a família possui em relação aos problemas do desenvolvimento infantil;
2. Dificuldade da família em aceitar a perturbação da sua criança;
3. Alterações na rotina da família e graves dificuldades no orçamento familiar devido à necessidade de oferecer um tratamento de qualidade à criança;
4. Capacidade da família administrar os factores anteriores, de forma a manter-se unida, o que, quando não acontece, pode ser devastador para todos os seus membros.
“ Por isso, é fundamental uma atenção especial para que a família encontre suporte para lidar e enfrentar estas adversidades e que compreenda que unida pode enfrentá-las, além de compreender que não é porque a sua criança tem dificuldades que ela não pode se desenvolver e se inserir na família.” (Correia, 2005)
Assim, respeitando estes princípios na intervenção das crianças autistas, acredita-se que elas desenvolvam capacidades de comunicação e interacção que lhes permitam um desenvolvimento mais típico possível.
São exemplos de programas que seguem estes princípios com base numa visão desenvolvimentista, os seguintes:
. SCERTS (Model for enhancing commnunication and socioemotional abilities – Modelo para aumentar a comunicação e habilidades socioemocionais), desenvolvido por Prizant, Wetherby & Rydell (2000);
. DIR (Developmental, individual-difference, relationship-based model intervention program), desenvolvido por Greenspan & Wieder (2000);
. AAC (argumentative and alternative communication), analisada por Mirenda & Erickson (2000);
. Jogos entre os pares, referidos por Schuler & Wolfberg (2000) e
. Programa baseado na facilitação do desenvolvimento da comunicação social precoce em crianças com autismo, desenvolvido por Klinger & Dawson (1992).
Bibliografia:
Fiore-Correia, O.B. (2005, 18 de Novembro). A aplicabilidade de um programa de intervenção precoce em crianças com possível risco autístico. Acedido a 6 de Novembro de 2007, em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0410559_05_cap_03.pdf
Lampreia, C. (2007). A perspectiva desenvolvimentista para a intervenção precoce no autismo. Cedido pela docente Paula Portugal.
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