CAPÍTULO 28 – Atitudes que fazem a diferença.
Autismo

CAPÍTULO 28 – Atitudes que fazem a diferença.


 

Antes de começar o acompanhamento nesta escola especializada para autistas, o Nicolas ficou afastado da escola tradicional durante um tempo porque ele não se adaptava com o barulho do sinal, o barulho das crianças na hora do intervalo, ter que interagir, ter que fazer a atividade naquele momento, etc. Nós ainda estávamos descobrindo como lidar com ele e, entendam, não é nada fácil cuidar de alguém sem recursos. Porém, também não é impossível.

Conforme eu fui descobrindo métodos na Internet, comecei a imprimir figuras e a tentar adaptar tudo o que podia o máximo possível. Em um final de semana prolongado, tive a idéia de colocar todas as sílabas simples em uma lousa que ficava no quarto do Nicolas. Escrevi o A, E, I, O, U, depois fui colocando BA, BE, BI, BO, BU; CA, CO, CU, DA, DE, DI... e assim por diante até chegar no ZA, ZE, ZI, ZO, ZU. Ao invés de falar com o Nicolas, falei com o Alexsander, fingindo não prestar atenção ao Nicolas, mas usei um tom de voz mais meigo e suave, como se estivesse falando com o Nicolas, e disse:

- Olha, papai. Com essas sílabas eu consigo montar palavras. Quer ver?

E o Alexsander respondeu também com um tom de voz mais infantilizado, o que logo chamou a atenção do Nicolas.

- Eu quero, mamãe!

E então eu comecei:

- Bem, primeiro eu tenho que te ensinar as sílabas. Você quer aprender?

- Oba! Quero!

E eu li todas as sílabas simples que estavam na lousa. Logo depois, eu comecei a montar palavras.

- JA-NE-LA. Viu! Janela. Você gostou? – e o Alexsander respondeu.

- Nossa! Eu adorei! Me ensina mais uma palavra?

- Ok, olha essa: BO-LA.

E então nós deixamos isto escrito na lousa durante todo o final de semana. Na terça-feira, três dias depois, o Nicolas aproveitou que estávamos todos no quarto e disse:

- Olha isso gente: ME-NI-NA. Menina!

E deu um sorriso tão gostoso lindo que eu quase perdi a compostura e dei uma mordida nele de tão gostoso! Mas, me mantive como uma mãe “normal” e orgulhosa e só mostrei mais incentivo a ele pedindo para ele mostrar mais palavras. Ele nos mostrou mais algumas palavras, como lata, menino, cara e ficamos comemorando com ele porque ele havia aprendido a ler e ele procurava por nossa aprovação em seu olhar. Cada palavra que ele lia, ele olhava para nós e dava um sorriso.

Na semana seguinte, fomos ao psiquiatra, que era “especializado” em autismo, e contamos a ele que o Nicolas havia aprendido a ler e tudo o que havia acontecido na semana anterior. Ele nem ligou. Continuou escrevendo e perguntou se o Nicolas havia se sentido deprimido ou ansioso durante o último mês.

Eu notei que sempre que íamos lá, ele só perguntava se o Nicolas havia ficado ansioso, nervoso ou agressivo, mas nada mais. Viajávamos por 02 horas pela manhã para chegar lá e 02 horas e meia para voltar (por causa do trânsito). Tínhamos que acordar de madrugada para ir lá e percebemos que eles não faziam nada pelo Nicolas, pois não havia nada a ser feito. Se ele não precisava de medicação, então não havia nada a ser feito.

Eu perguntei a ele:

- Doutor, você ouviu o que eu falei? Ele aprendeu a ler em 03 dias e praticamente sozinho. Isso não quer dizer nada para você?

- Ah! Parabéns, Nicolas!

E voltou a escrever.

Ali eu percebi que estava perdendo meu tempo, pois eu disse a ele na consulta anterior que não tinha a menor intenção de dar remédio para o Nicolas, pois todas as vezes que ele ficava ansioso ou nervoso, nós sabíamos como controlá-lo em casa. Com muita paciência, amor e carinho, nós sempre conseguimos acalmá-lo e nunca passamos pela situação de ter o Nicolas se jogando no chão ou fazendo escândalo, seja em casa ou em lugares públicos.

Sua disciplina era tão boa, e ainda é, que muitas pessoas conhecidas nossas não sabiam que ele era autista. Não sabiam, não porque não quiséssemos que elas não soubessem, mas porque era imperceptível para algumas pessoas devido às situações diversas.

Por exemplo, temos o vendedor de cachorro quente em nossa cidade, que é conhecido por muitas pessoas aqui, e ele me conhece desde antes de eu ter o Nicolas. Uma pessoa excelente, divertido e que acaba se transformando em um amigo. Quando o Nicolas nasceu, eu parava lá eventualmente para comer cachorro-quente e como havia várias pessoas lá conversando, acabávamos conversando coisas do dia-a-dia, política, conquistas, etc. Com a correria de levar o Nicolas a especialistas e de ter que trabalhar tanto para amenizar o lado financeiro, parei de ir lá com freqüência e só passava em frente à barraca de cachorro quente e cumprimentava-o, o que ele sempre respondeu com o maior entusiasmo. E também fazia questão de cumprimentar o Nicolas, mas estávamos sempre indo a médicos ou outras compromissos urgentes que não dava tempo de parar de verdade.

Um dia, quando o Nicolas já estava com uns 08 anos, eu parei lá para comer um cachorro quente a caminho do médico. Começamos a conversar e ele disse:

- Ô, Anita, mas que menino bonito esse seu! Como ele é lindo.

E eu disse ao Nicolas:

- Agradece a ele, filho.

O Nicolas, com aquele jeitinho meio tímido, olhou para a direção, dele arregalou os olhos e disse com a voz bem doce:

- Obrigado.

Então, eu disse a ele que estávamos indo ao médico que o Nicolas estava fazendo diversos tratamentos em vários lugares. Ele me olhou e disse:

- Tratamento pra quê?

- Ué, para o autismo. Eu não te disse que ele é autista?

Ele me olhou com a maior cara de espanto do mundo. O queixo caído. Ele parou, olhou para o Nicolas e disse:

- Mas não é possível! Você tá brincando comigo, né?

E ficou olhando para o Nicolas de boca aberta. Disse que nunca havia percebido nada de errado com o menino e que nunca tinha visto uma criança especial sem parecer que é especial. Então, ele falou com o Nicolas algumas palavras e o Nicolas respondeu um pouco tímido, mas falou com ele. Neste dia, ele quase chorou de ver que um menino especial e sua família levavam uma vida tão alegre, mesmo com as lutas. Ele sempre nos via passando ali correndo, brincando, conversando e nunca havia percebido.

Hoje em dia, ele vê o Nicolas atravessar a rua movimentada, ir ao mercado, ir para o restaurante, tudo sozinho. Fica observando para ver se ele está atravessando a rua com segurança e se está tudo bem. Conversando com ele, recentemente, ele me disse que quando vê o Nicolas passar, ele se enche de alegria de ter visto o que o amor e a dedicação de uma família são capazes de fazer.

Eu percebi que ir ao psiquiatra uma vez por mês não ajudava em nada, muito pelo contrário. Só gerava gastos e desgastes para o Nicolas.

Até hoje, não entendi qual era a função daquela equipe em um hospital tão renomado. Eles me deram o diagnóstico, o que não foi a menor novidade para mim, mas e o tratamento? Nunca fomos instruídos a nada ali e também nunca disseram que não poderiam nos ajudar.

Ver meu filho lendo e montando palavras sozinho era, para mim, um feito e tanto! E ver o psiquiatra com a cara mais blasé que já vi em relação a isso e a tudo o mais, me desanimava a cada consulta. Depois deste dia, não voltamos mais lá e continuamos como achávamos que deveria ser.

Na época, não sabia se estava certa ou errada, só sentia que achava que estava certa. Hoje eu sei!



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