Autismo e empatia – minha experiência
Autismo

Autismo e empatia – minha experiência


Imagem por Jeff Schewe. Fonte:
Beautiful-Landscape.com/
É corrente ouvir de pessoas comuns e até de especialistas que pessoas que têm TEA (Transtorno do Espectro Autista) carecem de empatia ou mesmo não a possuem. Isso é uma inverdade e aqui procuro falar da minha vivência e não terei a preocupação em ser ou parecer “científico”.

Pelo o que observo, eu entendo a empatia como a capacidade de perceber as emoções alheias (posso estar equivocado). Dizem também que ser empático é "colocar-se no lugar da outra pessoa". Quando menino, eu pensava: "Mas como posso colocar-me numa situação se nem sequer a presenciei ou vivi?". Minha dúvida permanece assim até hoje, com a diferença que, agora, tenho um melhor domínio e controle das minhas emoções e suas manifestações.  

Algumas coisas, na realidade, eu não consigo entender. Não consigo compreender, por exemplo, como a morte de uma celebridade internacional ou de alguém influente seja capaz de provocar comoção em pessoas de todo o mundo. Fãs e admiradores choram, vestem-se de preto e ficam de luto. Para mim, isso não faz o menor sentido.

Outras situações hipotéticas para continuar com a minha reflexão. Um acidente de trem [1] ocorrido na Europa Oriental provoca dezenas de mortes. Uma tempestade tropical violenta nas Antilhas deixa milhares de pessoas desabrigadas. Um terremoto no interior da China devasta uma vila inteira. Minha reação diante desses supostos casos seria a seguinte: "Eu não conheço nenhuma dessas pessoas. Por isso, não há razão alguma para ficar triste ou alegre". Não consigo sentir nada. Compreendo que, racionalmente, isso é triste, mas não há motivos para barulhos, gritos e choros por indivíduos que desconheço. Talvez, para muitas pessoas, pensar assim é ser um "sujeito mau". Contudo, eu não me vejo como "mau" ou "desprezível".

Eu nutro um amor e um carinho inesgotáveis pelas pessoas que amo e que me querem bem (familiares, colegas de escola e trabalho, pessoas com quem convivo etc.). É agradável estar com elas e, se algo ruim acontece a essas pessoas, fico profundamente triste e desestabilizado do ponto de vista emocional. Meu corpo responde a essas ações de diversas formas: fortes dores de cabeça, tonturas, convulsões etc.

Quando eu vejo imagens de homossexuais a ser enforcados por um regime teocrático ou leio alguma notícia sobre um desastre numa usina nuclear, penso: "Isso é profundamente horrível". Eu aprendi que não devo desejar o mal aos outros. E que, na realidade, eu também posso ser vítima de algo ou alguém. Entendo que essas pessoas sofreram e que elas têm suas famílias ou conhecidos que as amam e que estão tristes. Mas não consigo ter qualquer reação física pelo ocorrido. E por que teria? Eu não conheço nenhuma dessas pessoas e essas notícias ruins não terão nenhum efeito prático na minha vida. Penso que devo concentrar minhas energias naquilo que realmente interessa. Não vejo motivo para dramatizações e choros (se isso ao menos pudesse inverter o quadro...).

Para falar a verdade, essas reações coletivas me soam desnecessárias – para não dizer falsas. E dizer o que penso faz com que me vejam como "mau", "insensível", "impassível" ou "seco". Isso não significa que eu não deseje o melhor. Eu acredito – ou melhor, aprendi a acreditar – na justiça social e na solidariedade. Penso que a pobreza deve ser superada, que todas as pessoas precisam de um trabalho e um salário digno, que ninguém deve ser escravo do poder e que é necessário que todas as crianças e adolescentes tenham direito a uma educação especializada (inclusive, as crianças e adolescentes autistas). Meus familiares e mestres me educaram assim. Cresci com esses valores. Mas descabelar-me por coisas tristes e que não me envolvem, não mudará as coisas. Todos os dias, milhares de pessoas morrem em desastres, acidentes, assassinadas, de doenças e epidemias.  

Com o passar dos anos e com um esforço quase sobre-humano, aprendi o que devo e o que não devo dizer (pelo menos, o mínimo). A grande maioria dos seres humanos não gosta de ouvir a verdade e tem dificuldade de lidar com ela. Daí a minha procura por coisas que são do meu interesse e meu aparente isolamento. 


***

[1] Comboio, em português europeu.



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